O TRIBUNAL MARÍTIMO
O TRIBUNAL
MARÍTIMO*
Lícia Nascimento**
Órgão sui generis na
administração pública brasileira, o Tribunal Marítimo - TM é pouco conhecido do
público em geral, embora seja fundamental para garantia da segurança da
navegação e para o registro de propriedade das grandes embarcações no Brasil.
O Tribunal Marítimo, localizado num belo
prédio datado de 1851 no Distrito Naval do Rio de Janeiro, é um órgão
administrativo autônomo, vinculado à Marinha, que não integra a estrutura do
Poder Judiciário, mas o auxilia diante do caráter técnico das suas decisões e
da sua composição.
No ensino fundamental se aprende
que a abertura dos portos ocorreu com a transferência da família real
portuguesa para o Brasil Colonial. Em 28 de janeiro de 1808 um decreto de D.
João VI autorizou a importação de mercadorias que fossem trazidas por embarcações
das nações amigas de Portugal.
Todavia, a criação de Tribunal
Marítimo, como se conhece hoje, ocorreu apenas em 1931 pelo Decreto nº 20.829,
durante o governo de Getúlio Vargas, após incidente de repercussão
internacional na Baia de Guanabara com a embarcação alemã chamada Paquete Baden,
em 1930, que ao desatracar sem autorização foi bombardeada e obrigada a
retornar ao porto.
Em 05 de julho de 1934 o Decreto
24.585 regulamentou pela primeira vez o Tribunal Marítimo, delineando suas
principais características que persistem até a atualidade. A sua primeira
sessão solene se deu no dia 23 de fevereiro de 1935. Foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1946, recebendo sua regulamentação atual da Lei Federal
2.180, de 1954.
Existe apenas um Tribunal, com
jurisdição em todo o território nacional. Entre as suas atribuições estão
julgar os acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre,
definindo a sua natureza e determinando-lhes as causas, circunstâncias e
extensão, indicando os responsáveis.
Além disso, cabe ao TM manter o
registro geral da propriedade naval, da hipoteca naval e demais ônus sobre
embarcações brasileiras, dos armadores (empresas especializadas em transporte
marítimo de carga, normalmente construtores e operadores) de navios brasileiros.
O colegiado, responsável pelas
decisões do TM, atualmente conta com 7 juízes:
a) um Presidente, Oficial-General
do Corpo da Armada da ativa ou na inatividade;
b) dois Juízes Militares, Capitão
de Mar e Guerra ou Capitão de Fragata ─ um do Corpo da Armada e outro do Corpo
de Engenheiros e Técnicos Navais, subespecializado em máquinas ou casco;
c) quatro Juízes Civis (admitidos
por concurso público), sendo dois bacharéis em Direito ─ um especializado em
Direito Marítimo e o outro em Direito Internacional Público; um especialista em
armação de navios e navegação comercial; e um Capitão de Longo Curso da Marinha
Mercante.
Atuam ainda perante o Tribunal
Marítimo: a Procuradoria Especial da Marinha – PEM, constituída por
Procuradores e Advogados de Ofício, segundo a lotação do Quadro e Tabela
Permanentes do Pessoal Civil da Marinha, e por servidores civis e militares do
Ministério da Marinha; advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil e;
a Defensoria Pública da União.
Normalmente os processos sobre
acidentes e fatos da navegação são abertos por iniciativa da PEM, da parte
interessada ou do próprio TM. Após o trâmite do processo e eventuais recursos
podem ser aplicadas as seguintes penalidades: repreensão, medida educativa
concernente à segurança da navegação ou ambas; suspensão de pessoal marítimo;
interdição para o exercício de determinada função; cancelamento da matrícula
profissional e da carteira de amador; proibição ou suspensão do tráfego da
embarcação; cancelamento do registro de armador; multa, cumulativamente ou não,
com qualquer das penas anteriores.
As decisões do Tribunal Marítimo
quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor
probatório e se presumem certas, mas podem sofrer reexame pelo Poder Judiciário
(artigo 18 da Lei 2.180).
A atuação do TM tanto no âmbito registral
quanto no “jurisdicional” é fundamental para preservação do transporte
aquaviário no Brasil que representa mais de 90% de toda a carga transportada
pela logística internacional.
Ademais, trata de matéria
altamente especializada e relevante para a segurança nacional, o que justifica
a sua composição heterogênea formada por operadores civis do direito, agentes
da Marinha Mercante e da Marinha Militar, especialistas em comércio marítimo,
engenharia naval e direito marítimo.
Os mais de 8.000 km do seu
litoral, lagos e bacias hidrográficas colossais tornam o Brasil um país
vocacionado para a navegação e com alta incidência de fatos como acidentes
todos cobertos pela competência do TM, desde os grandes conteineiros até as
motos aquáticas.
Decorridos 90 anos da sua
instalação, o Tribunal Marítimo, está inserido na modernização da estrutura
administrativa do Brasil e tem testemunhado a multiplicação exponencial do
movimento de pessoas e mercadorias nas águas nacionais o que leva ao questionamento
sobre a necessidade da criação de novos Tribunais Marítimos, a fim de atender à
sua missão institucional de garantir a segurança da navegação.
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*Para conhecer melhor o tema,
sugiro as seguintes leituras:
1 FERRARI, Sérgio. Origem e história
do tribunal marítimo: uma visão normativa. Migalhas. 11 de maio de 2023.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-maritimas/386305/origem-e-historia-do-tribunal-maritimo-uma-visao-normativa
2 Sobre o Tribunal Marítimo.
Disponível em: https://www.marinha.mil.br/tm/sobre
3 BRASIL. Lei nº 2.180, de 5 de
fevereiro de 1954. Dispõe sobre o Tribunal Marítimo. Disponível: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L2180compilado.htm
** Advogada, dedicada a
atividades profissionais do Direito Marítimo. Atualmente é aluna do Curso de
Pós-Graduação em Direito Internacional do Mar e Direito Marítimo da PUC-MG.
Integra o quadro de advogados da Companhia Docas do Rio de Janeiro.
Um texto muito bem construído que conta de forma simples e objetiva as origens e objetivos do Tribunal Marítimo. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, amiga querida, pela audiência e pelo comentário!
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